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O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática - parte 4

Dando continuidade às questões dos brinquedos e procurando resgatar um pouco dessas brincadeiras utilizadas pelas famílias, convidei uma senhora para fazer parte da nossa aula e trazer a nós um pouco de sua bagagem histórica sobre as brincadeiras que ela vivenciava quando criança. Pensei que essa senhora pudesse colaborar com a prática. Com certeza para mim, professora da turma, também foi uma visita muito especial, pois, essa senhora, é a minha bisavó que hoje está com 96 anos de idade. Notou-se no instante de sua chegada, um silêncio. Observando seus passos lentos, sua bengala que a acompanhava e seus cabelinhos brancos, percebia-se que algumas trocas iriam acontecer e que estas, grandes marcas iriam deixar. Um círculo foi feito ao redor daquela senhora que estava ali disposta a trocar informações. De sua bolsinha, feita de crochê, ela retira uma agulha e um novelo de linha. Rapidinho o silêncio demonstrado na chegada, é substituído por sorrisos e perguntas, muitas perguntas:

(alunos) * Qual é o seu nome?

Serena - responde ela com a voz fraquinha e rouca.

(alunos) * Quantos anos a senhora tem? 

96 anos

(alunos) * Com que a senhora brincava quando era criança?

Eu não podia brincar na rua, meus pais não permitiam. Diziam que menina tinha que brincar dentro do pátio de casa. Minha mãe fazia bonecas de pano para eu brincar. Quando eu era menininha do tamanho de vocês, ela me ensinou a fazer roupinhas com restos de tecido para minhas bonecas. Mas meu sonho era ter uma boneca comprada na loja. Somente depois de adulta quando surgiram as bonecas de louça que ganhei uma da minha madrinha. Daí minha mãe me ensinou a fazer roupinhas de crochê. Até hoje faço roupinhas de crochê. Agora faço para minhas tataranetas. Às vezes, tem pessoas que me encomendam e daí eu faço para vender também.

(alunos) * Quantos dias demora para fazer uma roupinha?

Depende, uns 2 ou 3 dias. Faço o traje completo: chapéu, bolsinha, sapatinho, vestido.

(alunos) * Quantas roupinhas dá para fazer com um novelo?

Dá para fazer dois trajes completos.

(alunos) * Quanto custa cada novelo?

Em média R$ 6,00.

Essas foram algumas perguntas de tantas outras que foram feitas. Selecionei algumas delas, pois a partir daí, trabalhamos em sala de aula questões matemáticas (anexo 13) envolvendo a entrevista de Dona Serena:

· Quanto custa um novelo de linha?

· Quantas roupinhas dá para fazer com um novelo?

· Quanto custa cada roupinha?

· Se comprarmos 3 roupinhas quanto iremos gastar?

· E se comprarmos 5?

Muitos problemas de Matemática estavam sendo elaborados, discutidos e resolvidos pelo grupo. Os problemas não eram inventados ou tampouco se tratava de “histórias matemáticas” contadas pelo professor. Estava em jogo uma concepção do que era uma “aula de Matemática”. (OLIVEIRA, 2004, p. 243)

Elaboramos um texto coletivo sobre a visita (anexo 14). Ao término da visita reiniciamos a conversa, partindo das primeiras perguntas realizadas pelos alunos, em relação à idade de D. serena. Nos dirigimos ao gráfico (anexo 15) e incluímos a idade dela. Para a surpresa de muitos alunos a idade chegou até o topo do gráfico, dando uma significante diferença para as demais idades ali representadas. Questionamentos orais foram realizados sobre essa diferença de idade presente naquele cartaz. Questões relacionadas a tempo foram discutidas e até mesmo fizeram alguns comentários do tipo: “eu não conheci minha bisavó, ela morreu quando eu era pequeno”; “meu avô bebia muito, por isso ele morreu cedo”; entre outros comentários, inclusive discussões relacionadas à saúde (alcoolismo).

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Na próxima etapa do trabalho iniciamos, na Escola, a Campanha do Brinquedo (anexo 16). A proposta era realizar uma movimentação na Escola, visando o recolhimento de brinquedos usados para serem doados para uma instituição do Bairro a ser escolhida por eles. Tínhamos também como objetivos incentivar esses alunos a pensar sobre suas ações, salientando a importância de fazermos doações. Iniciamos com uma visita nas salas de aula explicando a proposta do trabalho. Combinamos com todos os alunos da Escola que a Campanha aconteceria em três dias consecutivos. (anexo 17)

No dia seguinte iniciamos a Campanha. Cada aluno (da minha turma) registrava em uma tabela a quantidade de brinquedos recebida em cada sala de aula (anexo 18). Vários comentários eram feitos após o recolhimento diário. Por exemplo: “Quantos brinquedos a turma 13 trouxe a mais que a turma 12?”, “Vamos somar a quantidade de brinquedos recebida no dia de hoje?”, entre outros.

Após os três dias de recolhimento realizamos questionamentos matemáticos envolvendo as quantidades de brinquedos recebidos:

· É necessário virarmos o “saco de brinquedos” e contarmos um por um para sabermos quantos brinquedos conseguimos arrecadar?

· Como poderemos saber a quantidade recebida?

Fala dos alunos:

“Não precisa, é só olhar na tabela o número de brinquedos do pré, das 1 ª séries e das 2 ª séries e contar”.

“Dá para pegar os ”dinheirinhos para contar”.

Os alunos estão acostumados a usar o dinheirinho como material de contagem, provavelmente é por isso que tiveram essa fala.

Aproveitamos a idéia e fizemos a contagem usando os dinheirinhos. Primeiramente, separaram as notas representando a quantidade doada pela turma do pré, após fizeram o mesmo para representar a quantidade doada pelas outras turmas. Seguindo com essas contagens propûs alguns questionamentos:

· Qual turma trouxe mais brinquedos?

· Quantos brinquedos as turmas 23 e 21 trouxeram juntas?

· E as turmas 13 e 22?

· O pré e 11 juntas trouxeram?

· Quantos brinquedos cada turma doou nos três dias de Campanha?

Realizamos um registro geral da campanha (anexo 19). Conforme diz (KLUSENE, 2000, p.69) “este procedimento de cálculo permite o desenvolvimento de capacidades e habilidades de pensamento necessárias para uma reflexão crítica em torno de estratégias envolvidas na resolução de problemas”.

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Como referenciar: "O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática" em Só Matemática. Virtuous Tecnologia da Informação, 1998-2025. Consultado em 05/07/2025 às 18:17. Disponível na Internet em https://www.somatematica.com.br/artigos/a11/p4.php

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