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O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática - parte 3

Em termos de aprendizagem-ensino, por sua vez, poderíamos dizer que a etnomatemática sugere ao professor e à professora fazer contas, tirar conclusões dos educandos, assim como procurar entender como a cultura se desenvolve e potencializa as questões de aprendizagem (DOMITE, 2004, p.420)

Observando esses alunos e o interesse deles em realizar essas entrevistas, vejo que algo ali estava sendo plantado. Algumas falas do tipo: “A professora Ana tem a mesma idade da professora Isabel”, “a professora Rejane tem a mesma idade da professora Fabiane”, a ”professora Shirlei é a mais velha”; foram observadas nos corredores da escola durante a entrevista. 

À medida que as situações vão se ampliando e complexizando-se, as crianças se vêem obrigadas a encontrar novas respostas e a estender o campo numérico e só o farão em relação com um contexto em que os familiares e os professores os acompanhem. (DUHALDE, 1998, p.54)

Dados reais estavam sendo levantados para fazermos comparações de um assunto não ligado diretamente a Matemática em si, porém voltado para a vida, para o cotidiano. Tendo em vista estas considerações (D’AMBRÓSIO, 2001, p.46) nos diz que “a proposta pedagógica da Etnomatemática é fazer da matemática algo vivo, lidando com situações reais no tempo (agora) e no espaço (aqui)”. 

Ao término das entrevistas nos dirigimos à sala de aula, onde pudemos analisar os dados obtidos com os dados já representados no gráfico das idades das famílias (anexo 6). Comparamos idades, analisando uma a uma, observando também quais idades que mais se aproximavam. “Para o aluno, aplicar a Matemática em questões verdadeiras faz diferença, pois ele percebe que a disciplina não nasceu na sala de aula” (BORTOLANZA, 2004, p.37). Utilizamos fichas com os nomes de cada funcionário entrevistado. Cada aluno registrou esses dados no seu gráfico (anexo 7). Mediava o trabalho, fazendo questionamentos:

· Qual a idade da professora Rose?

· No gráfico onde ela se encaixaria?

· Qual familiar que tem a mesma idade dela e/ou quem mais se aproxima?

· Quantos quadradinhos precisam pintar para chegar até a idade dela?

· Quais são os funcionários com a mesma idade?

· Qual a funcionária mais nova?

· Qual a funcionária com mais idade?

Usando esses questionamentos analisamos um a um dos funcionários. Ao questionar, tentei fazer com que os alunos refletissem sobre o verdadeiro significado de cada uma delas. “Qual a funcionária mais nova?” É exatamente o oposto da pergunta “Qual a funcionária com mais idade?” em termos de significação de idades. A autora (WALKERDINE, 2004) traz realmente essas questões para serem refletidas e repensadas pela Escola, “o par contrastante aqui não é o mais/menos, mas algo como mais/não mais” (p. 116). 

Os opostos que a Matemática Escolar adota mais/menos nem sempre são pensados igualmente pelos alunos da mesma forma. Por exemplo, para mim o “menos” não necessariamente, será o mesmo “menos” do que para outra pessoa. Nesse sentido concordo com (WANDERER, 2004, p.117) quando diz que “a relação entre as práticas na família e na escola é bem mais complexa do que é sugerido pela noção de usar exemplos matemáticos em contextos familiares”. 

Na etapa seguinte, analisamos os brinquedos que foram mencionados nas entrevistas com as famílias e combinamos quais seriam confeccionados. Elaboramos uma lista de materiais que seriam necessários para a confecção dos mesmos. Algumas mães demonstraram interesse pelo trabalho que estava sendo desenvolvido. Vieram me questionar sobre a prática. Então, aproveitei a situação e convidei-as para virem a escola e participar dando sua contribuição na proposta do trabalho. Observei que ficaram um pouco “envergonhadas"com o convite, porém notei que ao mesmo tempo sentiram-se valorizadas. Combinamos o que seria feito. Elas também providenciaram materiais e disseram que poderiam mostrar aos alunos como elas faziam suas bonecas quando eram crianças (anexo 8). Uma outra mãe estaria impossibilitada de comparecer, explicou ao filho, como fazia e como brincava com seu “biboquê ”. O aluno se encarregou de trazer o material e de explicar aos colegas como se confeccionava e como brincava com aquele brinquedo (anexo 9). Outros alunos também contribuíram com algumas sugestões: pé-de-lata, encaixa bolinha, boneca de meia, telefone com fio e passa bolinha foram alguns dos brinquedos que confeccionamos. Lembrando que todos esses brinquedos apareceram na entrevista que realizaram com as famílias. Em razão disso (FREIRE, 1996, p.52) nos coloca “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

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Utilizando alguns dos brinquedos confeccionados, elaboramos em conjunto, algumas regras para a execução de um jogo. Para o jogo “encaixa bolinha na cesta ” foram construídas as seguintes regras:

· Cada aluno terá 5 chances para acertar a bolinha na cesta;

· Cada acerto vale 10 pontos;

· Cada aluno marcará a sua pontuação no gráfico.

Durante a execução do jogo (anexo 10) foram feitos alguns questionamentos matemáticos, como por exemplo:

· O colega já fez 2 cestas. Quantas faltam para completar as 5 chances que ele tem?

· O colega acertou 3 cestas. Quantos pontos ele marcou?

· Se o colega acertar todas as cestas, quantos pontos ele fará?

Depois de todos os alunos terem participado, o grupo constatou que alguns não tinham acertado nenhuma cesta. Decidiram, coletivamente, que todos deveriam jogar novamente, porém agora, com 3 chances para cada um. Após o jogo, analisamos o gráfico e fizemos a contagem de pontos feita por cada aluno (anexo 11). Fizeram o registro individual com a marcação dos pontos (anexo 12). O interesse em consultar o gráfico para realizar essa atividade foi grande e por isso decidi acrescentar outra atividade realizando cálculos em cima dessa pontuação, por exemplo:

· Quantos pontos o Érick e a Jóice marcaram juntos?

· A Bruna e a Vanessa, juntas, marcaram quantos pontos?

É no meio cultural, nas brincadeiras, no dia-a-dia, no supermercado e em vários outros locais aprendemos a Matemática. Ela não é ensinada somente na “dita” Matemática Escolar. “A resolução de problemas ocorre como consequência, daí adquire significado e sua solução faz sentido” (D’AMBRÓSIO, 1998, p.31). Prova disso são todas essas questões que procurei abordar nessa atividade envolvendo jogo, pontuação, regras. Os números estão diretamente ligados a esse brincar. “Há contextos onde o número cumpre o papel de etiqueta numérica que, ainda que implique uma comunicação não expressa uma quantidade...” (DUHALDE, 1998, p.54). Quantas brincadeiras estão cercando nossas crianças e muitas delas, vindas até de dentro de um “pacote de salgadinho”, por exemplo. Fichinhas com nomes e números saem dali de dentro e tem um encanto especial para elas. Isso é Matemática, isso é cultura, isso é conhecimento.

Há inúmeros estudos sobre a etnomatemática do cotidiano. É uma etnomatemática não apreendida nas escolas, mas no ambiente familiar, no ambiente dos brinquedos e de trabalho, recebida de amigos e colegas (D’AMBRÓSIO, 2001, p.22)

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Como referenciar: "O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática" em Só Matemática. Virtuous Tecnologia da Informação, 1998-2024. Consultado em 03/05/2024 às 19:35. Disponível na Internet em https://www.somatematica.com.br/artigos/a11/p3.php

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