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O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática - parte 2

Concordo com as explanações de (MONTEIRO,2004, p.445) quando diz que a etnomatemática nos permite pensar no conhecimento como algo impregnado de valores culturais e sociais não fragmentados, constituindo-se de elementos mais amplos que os conteúdos específicos. Esse conhecimento recheado de vida é o que entendo por etnomatemática.

Os argumentos utilizados para defender minha justificativa vêm ao encontro com as idéias trazidas pelos autores citados nesse capítulo, pois acredito na Etnomatemática e sei que esta tem muito a nos “ensinar”, pois é partindo de uma realidade cultural de um grupo de pessoas, que buscaremos alternativas para oferecer aos nossos alunos e alunas uma aprendizagem significativa voltada para a realidade social e o que é principal, contemplando essas classes sociais que encontram-se marginalizadas por uma sociedade capitalista. 

Segundo (KNIJNIK, 2004) na visão da etnomatemática há um especial interesse em dar visibilidade às histórias daqueles que têm sido sistematicamente marginalizadas para não se constituírem nos setores hegemônicos da sociedade. 

Descrição das atividades

Este relato traz uma série de atividades desenvolvidas numa turma de 1a série. Buscando resgatar os valores dos brinquedos que eram utilizados e confeccionados pelas famílias quando estas eram crianças, venho através dessa prática abordar algumas questões valorizando a cultura desse grupo envolvido. De acordo com (OLIVEIRA, 2004, p. 239) “sua análise foi elaborada a partir das teorizações da Etnomatemática, oportunizando que fossem discutidas possibilidades e limitações do processo pedagógico”.

Iniciamos, então, com uma conversa sobre os brinquedos/ brincadeiras que cada um deles gostava de brincar. Numa rodinha, do lado de fora da sala, dialogamos sobre àqueles que são perigosos e que podem causar algum mal. Na lista de brincadeiras iam surgindo comentários sobre as brincadeiras de “mau gosto” que, às vezes eles fazem um com os outros (empurrões, chutes, lutinha). Analisamos em conjunto o porquê dessas atitudes e eles foram sugerindo outras que não causava mal algum.

Em razão da falta de espaço para o recreio lancei a pergunta: Quais brinquedos/brincadeiras que podem ser realizados dentro da sala de aula? Inúmeras sugestões apareceram. Muitos deles traziam àquelas que vivenciavam em casa com irmãos e/ou vizinhos.

Dando sequência às atividades e vinculando o diálogo anteriormente discutido, propûs aos alunos que realizassem uma entrevista com qualquer pessoa da família (anexo 1). Nessa atividade procurei contemplar perguntas que tivessem relacionadas com os brinquedos que utilizavam quando criança, observando aí, os diferentes tipos de cultura e de vivência, incluindo ainda, a idade de cada pessoa entrevistada. Para (D’AMBRÓSIO, 2001, p.32) “cultura é o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos compatibilizados”.

No dia seguinte analisamos as respostas e confeccionamos um gráfico, observando os diferentes brinquedos que surgiram em cada entrevista (anexo 2). Cada aluno fez o registro em um gráfico individual (anexo 3). A Matemática estava inserida nessa atividade no momento em que íamos confeccionando o gráfico. “A matemática, dessa forma, contribuiria para esta análise, desempenhando um papel importante, porém não central” (WANDERER, 2004, p.263). Discutimos questões do tipo: Quantas pessoas colocaram que brincavam com bonecas? Quantas com carrinho? Quantas com pé-de-lata? Quantas pessoas a mais votaram na boneca de pano do que na bola de meia? “Os professores devem se preocupar quando aplicam atividades como esta, o porquê estão fazendo e para quê essas serão importantes” (GIROUX, apud OLIVEIRA, 2004). Quando resolvi fazer esses questionamentos, pensei nas questões de cálculos de adição e subtração envolvendo dados contidos em um gráfico, construído pelos alunos em cima da realidade trazida da própria cultura. 

Todos enfrentamos no dia-a-dia situações que demandam uma resolução. O número, em algumas delas, resulta ser o instrumento mais eficaz. Isto nos leva as diferentes maneiras que se podem utilizar os números (DUHALDE, 1998, p.53).

Utilizando ainda a entrevista analisamos a idade das pessoas entrevistadas. Decidi aprofundar essa questão, pois uma aluna ao encontrar a supervisora no corredor da Escola, abraçou-a e disse: “A senhora parece minha vó”. Em vista desse comentário e de outros que observo no decorrer das aulas, muitos alunos tem dificuldades em saber a idade das pessoas com quem convivem. De acordo com as idéias trazidas por (OLIVEIRA , 2004) ressalto que o professor deve estar atento para as conversas que ocorrem durante a parte empírica de um trabalho, tendo o registro das falas dos alunos e das alunas sempre presentes nas práticas pedagógicas.

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Através dessa atividade, penso que, algumas questões vêem clarear, a título de informar uma questão que também não deixa de ser cultural. “Isso nos leva ao que chamamos de etnomatemática e que restabelece a matemática como uma prática natural e espontânea" (D’AMBRÓSIO, 1998, p.31). Com a confecção do gráfico das idades, vários questionamentos foram levantados. O gráfico foi elaborado com a numeração de 5 em 5, como mostra foto (anexo 4). Sendo assim, alguns dos questionamentos foram estes:

· Quantos anos correspondem cada quadradinho?

· Quantos quadradinhos devem pintar para a idade de 30 anos do Sr. Márcio?

· Quantos quadradinhos precisam pintar para chegar a idade de 32 anos da Sra. Inezandre?

· Qual a pessoa mais nova? Quantos anos ela tem?

· Qual a pessoa com mais idade? Qual a idade dela?

· Quantos anos Sra. Lorena têm a mais que o Sr. Joel?

Após a confecção do gráfico, construído com papel e tinta têmpera, cada aluno registrou no caderno a idade correspondente de cada pessoa. Eles consultavam o gráfico para completar com a resposta (anexo 4). Como diz (WANDERER, 2004, p.262) “a Matemática dessa forma, foi utilizada com o propósito de auxiliar na interpretação daquelas informações”. Nessa proposta de atividade pensei que os alunos fossem demonstrar dificuldades para localizar as idades que fossem “quebradas”, como por exemplo, a da Sra. Ivonete, com 38 anos. Como no gráfico estava representando os números de 5 em 5, traçamos pontos que ligassem um número ao outro para a contagem ficar mais precisa. O recurso utilizado tornou-se para os alunos uma ótima fonte de consulta, onde puderam comparar idades e calcular de 5 em 5.

Seguindo com atividades envolvendo gráfico, propûs ao grupo que fizéssemos uma pesquisa para saber a idade de cada funcionário da escola (professores, merendeira, servente, diretora e supervisora). Nessa proposta consegui atingir, principalmente aquela aluna, citada anteriormente, que achou a supervisora parecida com a vó. Se a comparação dela era a respeito de idade, nessa tarefa, pode enfim, fazer a comparação, analisando se a supervisora poderia ter a mesma idade da vó ou não. Cada aluno tinha consigo uma tabela com o nome dos funcionários (anexo 5). “Os modelos criados pelos alunos podem ser expressos em fórmulas, diagramas, gráficos, tabelas e têm o objetivo de solucionar um problema ligado ao cotidiano” (BORTOLANZA, 2004, p.38). A cada entrevista realizada, os alunos perguntavam a idade e explicavam o porquê da entrevista. Tenho bem claro a fala de uma aluna, que concentrada na sua tarefa e segurando fortemente a tabela contra um caderno que carregava, perguntou a uma professora: “A gente quer saber a sua idade para a gente comparar se é igual a de nossa mãe”.

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Como referenciar: "O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática" em Só Matemática. Virtuous Tecnologia da Informação, 1998-2024. Consultado em 23/04/2024 às 18:55. Disponível na Internet em https://www.somatematica.com.br/artigos/a11/p2.php

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