O Resgate dos Brinquedos numa Perspectiva da Etnomatemática - parte 5
Na etapa seguinte os alunos analisaram todos os brinquedos doados (anexo 20). Em uma conversa, resgatando a questão dos brinquedos que incentivam a violência, decidiram que não iriam doar para a instituição algumas “arminhas de plástico” que haviam recebido. E o destino delas? Resolveram colocar na lata do lixo. As falas de alguns alunos nessas discussões dizia o seguinte: “Meu amigo estava brincando com ar minha de pressão e acertou o olho do irmão dele e até hoje ele não enxerga”, “não devemos brincar com armas de brinquedos, se uma criança pequena enxerga pode encontrar uma arma de verdade e matar sem querer uma pessoa”.
Continuando a conversa perguntei a eles o que aprenderam com o projeto. Algumas das falas foram as seguintes: “Devemos repartir os brinquedos com as crianças que não tem o que brincar”; “eu gostei quando a D. Serena veio aqui, minha vizinha está me ensinando a fazer crochê”; “gostei porque não teve brincadeiras de se machucar”; “brincadeiras com pipa pode enrolar nos fios e dar curto-circuito”.
Em nossas conversas decidimos agradecer aos alunos da Escola que contribuíram na Campanha. Os alunos, divididos em grupos, escreveram uma mensagem de agradecimento. Fizeram uma votação e escolheram a mensagem que seria entregue para os participantes (anexo 21).
Desde o início do projeto, todos os dias, dedicavam um tempo no final da aula para escrever uma frase sobre a atividade que mais gostaram de realizar naquele dia. Nessa proposta de atividade a sequência de números, seus sucessores e antecessores eram observados. Montamos, assim, um calendário, onde observávamos a sequência de dias e a passagem do tempo (anexo 22). “A construção do calendário, isto é, a contagem e registro do tempo, são um excelente exemplo de etnomatemática” (D’AMBRÓSIO, 2001, p.21).
Para finalizar o projeto fizemos uma caminhada no bairro para escolher o local a ser doado os brinquedos. Como o bairro não possui nenhuma creche, em nossa caminhada, nos indicaram uma casa onde havia uma senhora que cuidava de crianças (anexo 23). Chegando lá explicamos o motivo da nossa visita. Naquele dia ela estava com apenas cinco crianças. “Cuido de oito, hoje só vieram cinco” – comenta. As crianças ficaram felizes com a doação. Sentaram na área da casa e começaram no mesmo instante a brincar com os brinquedos. “Que bom eles não tinham quase brinquedos, os que têm estão quebrados e por isso acabam sempre brigando pelos que estão inteiros” – relata àquela senhora, tão humilde como aqueles alunos que estavam ali dispostos a fazer a doação.
No retorno para a escola, os comentários eram muitos. Todos demonstravam através de sorrisos muita felicidade. Sentiram-se importantes por terem realizado um ato de solidariedade. Naquele momento percebi que algo muito importante tinha marcado cada uma daquelas crianças.
Conteúdos matemáticos
· Sequência numérica;
· Identificação de números (cardinais e ordinais);
· Comparação de números;
· Estimativa;
· Números antecessores e sucessores;
· Quantidade;
· Ordem cronológica;
· Calendário;
· Cálculos de adição, subtração, multiplicação e divisão;
· Unidade, dezena.
Considerações finais
Tendo em vista a importância dos estudos realizados no decorrer do semestre em relação à perspectiva da Etnomatemática, procurei, neste trabalho, relatar uma prática que foi muito pensada, planejada e elaborada. Esta se dá a partir de uma realidade cultural encontrada num grupo de alunos de uma classe “marginalizada”, de famílias trabalhadoras.
Fazendo uma leitura das explanações de (OLIVEIRA, 2004, p.247) observo que busquei também realizar uma reflexão teórica que viesse a contribuir com as teorizações em Educação Matemática no que se refere a levar para a sala de aula fatos e acontecimentos que fazem parte das necessidades do dia-a-dia de uma comunidade de periferia. Não era só trazer a “realidade” para a sala de aula, mas construir um conhecimento matemático em sala de aula que tenha seu caminho de retorno para a comunidade.
Ao concluir o trabalho, após muitas leituras e com trocas de informações, pude constatar a importância das idéias trazidas por D’Ambrósio e outros autores, que tiveram um papel fundamental para o processo e desenvolvimento dessa prática. Algumas dificuldades durante a elaboração do planejamento houve, porém me fizeram repensar algumas questões que estavam fazendo parte do meu fazer pedagógico. Consegui perceber a diferença de certas teorias, que ainda estão muito presente nas salas de aula, e procurei buscar estratégias diferentes daquelas até então utilizadas. A Etnomatemática vem nos mostrar um fazer pedagógico real, voltado e direcionado à cultura dessas pessoas fragilizadas.
Penso que este trabalho tenha contribuído na aprendizagem dos alunos, visto que, todas as atividades trabalhadas, tiveram sua “nascente” na realidade cultural de cada um. Isso faz a diferença. Essa aprendizagem faz sentido e, mais, vem complementar e sustentar os conteúdos, que de uma maneira ou outra, nós professores, devemos cumprir e dar conta até o final do ano letivo. Porém esses conteúdos são apreendidos de uma maneira natural, partindo de um contexto cultural. Alguns conteúdos trabalhados não, necessariamente faziam parte daqueles que eu, enquanto professora, precisaria “dar conta”. Como por exemplo, em algumas atividades realizaram cálculos de multiplicação. A diferença é que, nessa atividade o importante, para mim, não era o cálculo (algoritmo) armado e sim, obter a resposta, o cálculo mental. Na atividade onde tiveram o manuseio de “dinheirinhos”, procurei já proporcionar momentos em que tivessem contato com esse material, visto que, é algo que faz parte do dia-a-dia de todos nós. Quando falo aqui nesse contato com material concreto (dinheirinho), penso que esse recurso é concreto por se tratar de algo que toca em relação à vida real. Nada mais real do que trabalhar com recursos reais. O que adiante oferecermos a elas materiais que não vão poder utilizar quando se defrontarem com “situações problemas”?