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A Matemática e o novo ensino médio (parte 4)

Esboçando uma programação

Apesar de diversos conteúdos poderem ser desenvolvidos no Ensino Médio e as diferentes seleções possíveis, temos encontrado um razoável consenso em termos de conteúdos prioritários no curso médio, nas várias conversas mantidas com colegas professores.

Quando se considera Matemática essencial para o dia-a-dia do cidadão educado, são citados os seguintes tópicos: Matemática Financeira, Probabilidades e Estatística.

Na Matemática Financeira, seria conveniente tratar de juros compostos e amortizações. Já em relação a Probabilidade e Estatística, um objetivo seria dar ao estudante noções sobre o limite de validade das informações estatísticas que recebemos no cotidiano, envolvendo eleições, remédios, hábitos alimentares, etc. Isso pressupõe alguma ênfase em experimentos binomiais e talvez uma idéia de distribuição normal. Acrescentamos ainda que, junto aos tópicos de Probabilidade e Estatística, seria necessário incluir a análise combinatória, no mínimo porque é base para a compreensão de setores dos outros dois tópicos.

Quando o foco é colocado na Matemática preparatória de um formação científica de ordem geral, necessária para todo cidadão educado, o tópico Funções é sempre citado.

Nesse conteúdo, para que se atendam os objetivos dos PCNEM e para que ele realmente contribua para a formação científica, é fundamental que o estudo seja conduzido com o enfoque da "ferramenta", delineado em parágrafos anteriores. Seriam abordadas as variações lineares, quadráticas, exponenciais, logarítmicas, senodais (relativas a fenômenos periódicos), ou seja, aparentemente quase tudo que se vê atualmente. No entanto, no enfoque recomendado, não se propõe um exame mais aprofundado de equações, identidades e inequações exponenciais, logarítmicas, trigonométricas. Assim, ao menos no âmbito da seleção prioritária, temos uma programação diferente da atual; por exemplo, a trigonometria, que hoje ocupa um semestre inteiro do curso médio, seria extremamente reduzida.

Além dos tópicos já assinalados, a Geometria é constantemente incluída, tanto pelas aplicações no seu dia-a-dia (áreas, volumas) como pelas suas aplicações científicas (modelos de átomos, moléculas, diagramas de forças, trajetórias de foguetes ou planetas). Parece-nos razoável que se estude geometria sintética plana e espacial, incluindo algo sobre vetores e sobre transformações geométricas (reflexões, rotações, etc. ).

Propomos para a Geometria um enfoque mais ou menos experimental, voltado para o exame do espaço tridimensional em que vivemos, uma Geometria que seria "o primeiro ramo da Física". Nessa linha, haveria menos deduções do que as contidas nos livros didáticos tradicionais, mas demonstrações de alguns fatos menos intuitivos continuariam necessárias. Acreditamos que o enfoque tradicional, exclusivamente dedutivo, que parte dos axiomas e vai estabelecendo os teoremas em seqüência lógica, tem um custo cognitivo muito alto, sendo célebres as dificuldades e frustrações dos alunos, ao tentar aprender, e até dos professores, quando buscam ensinar. (Aliás, boa parte dos professores do Ensino Médio já há alguns anos abandonou qualquer esforço de demonstração, o que supomos ser um equívoco em termos formativos.)

Apresentamos um elenco de conteúdos quase consensual. Essa lista ainda pode ser um pouco expandida, levando-se em conta algumas conexões óbvias. As seqüências podem ser estudadas conectando Funções e Matemática Financeira, já que seqüências são funções que servem de modelos eficazes em algumas situações (entre as financeiras: basta reparar na relação entre progressão geométrica e juros compostos). Elementos de Geometria Analítica podem ser incluídos, seja a a partir do uso dos gráficos das funções, seja a partir da Geometria (o método das coordenadas usado para resolver problemas geométricos).

Neste ponto, se lembrarmos do citado aspecto terminal da formação do ensino médio, verificamos que a seleção de conteúdos ainda não está completa. De fato, em quais dos tópicos sugeridos seria possível tratar da natureza da Matemática, de seus métodos de validação, das demonstrações? Em que momentos a Matemática seria vista com método e organização próprias, ciência viva e criação humana desenvolvida ao longa da história? Certamente em todos os tópicos citados, mas também, como a prática dos últimos anos tem mostrado, em nenhum deles. É por isso que sugerimos um tópico extra, de conteúdo algo indefinido, que dominaremos provisoriamente, por falta de inspiração talvez, Excursões Matemáticas. Esse tópico poderia ser desenvolvido ao longo do curso, entremeado a outros conteúdos e teria dois propósitos que passamos a descrever.

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Um deles seria revisitar itens da Matemática do ensino fundamental, esclarecendo-os, justificando-os matematicamente ou, em outros momentos, explicando os motivos históricos que levaram à sua criação. Por exemplo, a infinidade dos primos, a irracionalidade de   , a dedução da fórmula resolutiva da equação quadrática, a justificativa da regra de sinais na multiplicação ( o "menos vezes menos") ou da regra de divisão de frações ("inverta a segunda e multiplique") poderiam ser o ponto de partida para demonstrações ou, ao menos, argumentações matemáticas de valor educativo. Tais explorações poderiam alcançar também certos teoremas interessantes e elementares da Teoria dos Números. Supomos que os tópicos do ensino fundamental, justamente por serem mais ou menos conhecidos, sejam campo privilegiado para o exercício de raciocínios abstratos, em especial os dedutivos, característicos da Matemática. Tradicionalmente esse campo era reservado unicamente à Geometria Espacial, mas, como já explicamos em parágrafo anterior, isso não era feito de maneira adequada. O paradigma antigo acabava por impedir a reflexão devido à carga informativa.

Um segundo propósito das "Excursões" consistiria em abordar tópicos avançados sobre Matemática ou de Matemática. Discussões envolvendo a natureza ou a utilidade da disciplina, o trabalho do matemático puro ou aplicado ou a importância dos logaritmos para o setor financeiro, desde o século XVII até o uso comercial dos computadores, exemplificam os termos sobre Matemática; uma pesquisa envolvendo fractais, a recente demonstração do último teorema de Fermat, as idéia básicas do Cálculo Infinitesimal ou a quantidade de raízes de uma equação algébrica de grau n exemplificam os temas de Matemática. É claro que todos os temas avançados de Matemática só podem ser abordados como "reportagem" ou pesquisa histórica. Isso não impede que despertem curiosidade, favoreçam conjecturas e sirvam para construir uma verdadeira cultura matemática, fundamentada em idéias. Idéias perduram mais que algoritmos.

Agora nossa sugestão está completa. diversos conteúdos como matrizes, determinantes, ou números complexos não foram mencionados pela simples razão de não serem prioritários. Sem dúvida, continuarão sendo ensinados em várias escolas, embora, -não resistimos a estas duas ressalvas- fosse conveniente:

  (i) repensar a necessidade de ensinar alguns deles (como os determinantes) e

  (ii) melhorar o enfoque de certos conteúdos (como às vezes se consegue na obra citada em [8] a qual recomendamos para estimular a reflexão dos colegas).         

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Como referenciar: "A Matemática e o novo ensino médio" em Só Matemática. Virtuous Tecnologia da Informação, 1998-2024. Consultado em 25/04/2024 às 13:14. Disponível na Internet em https://www.somatematica.com.br/artigos/a4/p4.php

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