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Uma verdade importante antes da terceira verdade

Usando outras palavras podemos dizer que será lícito construir um subconjunto b de a a partir de uma propriedade A(x). Escrevemos: b = {x Î a: A(x)}, e ler “b é o subconjunto de a formado pelos conjuntos x que pertencem a a e que satisfazem a propriedade A”.

Quando surgiu a Teoria dos Conjuntos de Cantor, chamada de Teoria Intuitiva dos Conjuntos, havia a idéia de que “qualquer propriedade” poderia ser considerada para que os objetos que a satisfizessem formassem um conjunto. Assim, sempre existiria o conjunto de conjuntos que satisfizessem a propriedade A, qualquer que fosse a propriedade A. Então o matemático e filósofo Bertrand Russell fez o seguinte raciocínio: considere o conjunto dos conjuntos x que não pertencem a si mesmos. Para Russell a propriedade A era “x não pertence a x”. Parecia claro que esse conjunto existia, pois, por exemplo, o conjunto dos números naturais não é um número natural e, portanto, o conjunto dos naturais não pertence a si mesmo. Muitos objetos matemáticos formam conjuntos que não são um desses objetos. Para darmos um exemplo fora da matemática (o que não tem sentido porque saindo da matemática perdemos a possibilidade de falarmos apenas “verdades rigorosas”) só para ilustrarmos um pouco mais, o conjunto de cavalos não é um cavalo, assim como um conjunto de homens não é um homem.

Vamos fazer como Russell e chamar de M o conjunto de todos os conjuntos. Consideremos o subconjunto de M formado pelos conjuntos que não pertencem a si próprios. Russell perguntou se M pertence a M. Caso seja verdade que M pertença a M, então M satisfaz a propriedade que determina os conjuntos de M, ou seja, M não pertence a M! Chegamos a uma contradição, pois um conjunto M não pode pertencer a si próprio e, ao mesmo tempo, não pertencer a si próprio. Bem, como assumiram os antigos filósofos gregos, não podemos ter uma afirmação verdadeira e falsa ao mesmo tempo, pelo menos na Lógica que eles imaginavam ser a correta. Dessa forma, somos forçados a concluir que M não pertence a M. Mas, então, M satisfaz a propriedade que determina os conjuntos de M. Logo, M pertence a M! Contradição de novo. Essa dicotomia, isto é, essa afirmação que é verdadeira se, e somente se, é falsa, causou um escândalo na Teoria dos Conjuntos de Cantor. Essa foi a razão para que o matemático Ernst Zermelo (1871-1956) “criasse” a segunda verdade da Teoria dos Conjuntos, que é o Axioma ZF(2) acima.

O Axioma ZF(2), isto é, a segunda verdade da Teoria dos Conjuntos de Zermelo-Fraenkel, evita que possamos construir a antinomia descoberta por Russell. Assumindo esse axioma como verdade, o raciocínio de Russell que apresentamos acima não é mais possível. A razão é que não podemos mais construir o conjunto M de todos os conjuntos. Simplesmente porque uma propriedade sozinha não determina mais um conjunto. É necessário que tenhamos um conjunto prévio a, isto é, que já exista um conjunto a, para considerarmos um subconjunto seu de conjuntos que satisfaçam uma certa propriedade. Portanto, não podemos mais simplesmente considerar o conjunto dos conjuntos que não pertencem a si próprios. É que o “conjunto dos x que não pertencem a si mesmos” não é conjunto. Como disse o matemático Paul Halmos, “nada contém tudo”. Deixamos um desafio para você (pense de modo simples e com calma...): mostre que decorre da segunda verdade, isto é, do axioma ZF(2), que não existe o conjunto de todos os conjuntos. É interessante notarmos que, embora ainda não tenhamos razões para que existam conjuntos, no entanto já podemos demonstrar que não existe o conjunto de todos os conjuntos. Anote aí: pela teoria que temos até agora, ainda não sabemos se é verdade que existe algum conjunto, mas já é verdade que o conjunto de todos os conjuntos não existe!  

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