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Cuidado com contadores de estórias que espelham o contador (II)

 — A. De qualquer maneira, tentei ler o artigo até o fim, como sempre faço quando não entendo o que leio nos livros de cálculo.

 — P. Quem arrisca a continuação da leitura do artigo, em seguida ao bombástico “mundo quântico” se defronta com a hilariante “idéia” de que

 “objetos não são indivíduos”, pelo menos no “mundo quântico”.

 Bem, o que é mesmo “objeto”? E indivíduo? Não seria algo como “fim a que se mira ou que se tem em vista”, como querem alguns dicionários? Como poderia a mente de um espécime de Hoss pensar em um objeto sem mirar sua individualidade? Gostaria de saber isso. Meu palpite é que é impossível, mas não descarto, por prudência, uma probabilidade positiva de estar equivocado. Penso que a noção de individualidade é inerente à noção de objeto, à sua determinação como objeto, porque se não, seria impossível pensá-lo, não haveria objeto, ou fim a que se mira, ou que se tem em vista. Isso não é óbvio? Ou esse pobre mortal e ingênuo professor de cálculo que aqui escreve está fora de órbita?

 — A. Você é professor de cálculo e isso não é mais cálculo.

 — P. Sem querer fazer incursões na Metafísica (não tenho competência para isso), ou qualquer coisa que o valha, a noção de objeto, me parece, significa “algo bem determinado de alguma maneira”. Portanto, objeto tem que ter individualidade, não parece claro? Ou seja, qualquer objeto tem que ser, por definição, um indivíduo. Se o objeto não tiver significado individual, portanto, individualidade, então ele tem significado ambíguo e não foi bem determinado e, portanto, não se trata de objeto, é apenas uma confusão mental. Não devemos confundir objetos com significados ambíguos, portanto confusamente determinados, com objetos coletivos: um enxame é um objeto individual com significado de coleção de outros objetos, as abelhas. Coleções de objetos são novos objetos e essa construção crescente de objetividade não tem fim e oferece à Matemática infinitas possibilidades de estruturação e criação. Isso é sabido há muito tempo.

 — A. Há passagens de Física no artigo também difíceis de entender como:

 “... , não há como saber se a partícula liberada é a mesma que energizou o átomo.Isso porque é fisicamente impossível pintar elétrons ou seguir suas trajetórias.”

 Será que não poderia haver outro modo de saber qual é a partícula liberada? Deus não sabe isso?     

 — P. Ah, estamos falando apenas das construções mentais científicas de alguns espécimes do Hoss, e a hipótese de Deus não é necessária como nos ensinou Laplace. Você tem razão. Então, será mesmo que a única maneira de distinguir uma partícula de outra é com tinta e pincel ou correndo atrás dela? É claro que não, a Matemática será novamente a única esperança. Pode ser que novas estruturas matemáticas consigam modelar o Universo a ponto de serem capazes de distinguir duas partículas, isso se a noção de partícula persistir e não for trocada pela noção de, digamos, “vibração de uma brana”, ou qualquer outra noção de algum gênio que ainda demorará a nascer.

 — A. Como sabemos que “não há como saber”? Quem demonstrou isso? Não seria melhor afirmar apenas    “não sabemos ainda”, e pronto?

 — P. Acho que sim, concordo.

 — A. O que você acha da afirmação seguinte:

O que sugere a possibilidade de que as partículas elementares 

do mundo quântico  não sejam providas de individualidade.

 — P. Então, nesse caso, não se sabe do que se está falando, porque não há objeto sem individualidade. Portanto, a minha conclusão (lógica?) é simplesmente que “partícula elementar do mundo quântico” não existe! Há que se rejeitar a noção de “menor quantidade possível de matéria” de Demócrito e elaborar outra teoria física sobre o Universo, talvez com supercordas, branas, ou seja lá o que for para acalmar os espíritos dos cientistas que parecem estar convencidos da “realidade (detectável pela espécie Hoss) da matéria e da menor quantidade possível de matéria”.

A. Minhas energias para terminar o artigo estão muito baixas.

P. Quem chegou nesse ponto será agora recompensado por momentos fortemente hilariantes provocados por uma excitante fantasia:

 “Na verdade, é muito importante que o físico considere a existência de coleções de partículas elementares completamente indistinguíveis entre si. Caso contrário, ele não conseguirá descrever matematicamente certos dados experimentais consagrados.

Sinceramente, admito a possibilidade de estar biruta, mas não tem nada de errado no riso do biruta, é apenas uma reação possível. Entretanto, se não estiver, me pergunto: como é possível um espécime de Hoss afirmar que os físicos só têm essa saída? Quem demonstrou essa bombástica e hilariante afirmação? E daqui a cem anos, não poderia haver uma superação surpreendente da ignorância física atual e novas estruturas matemáticas darem conta dos problemas que hoje são intratáveis? Afinal de contas, não tem sido sempre assim na história    da ciência? Guarde suas energias e economize seu estoque de riso (por precaução, lembro-lhe que aluno de biruta torna–se também biruta) porque a motivação ainda não acabou.

 “... , pois nela [na Matemática] não há espaço para coleções de múltiplos objetos indistinguíveis.

 É incrível essa afirmação: ou é de uma sabedoria inalcançável para esse ingênuo mortal ignorante, que não passa de um professor de cálculo, ou é, talvez, dramaticamente ridícula. A relação de equivalência em Matemática produz classes de equivalência que são, justamente, coleções de múltiplos objetos indistinguíveis! Por exemplo, a coleção infinita de múltiplos objetos distintos

 {... , (–3)/(–3), (–2)/(–2), (–1)/(–1), 1/1, 2/2, 3/3, ...} = 1

 é indistinguível quando o matemático quer mirar o número racional “1”. Quando o matemático quer mirar os objetos da “classe 1”,  ele então mira os infinitos pares ordenados (± n, ± n) como objetos distintos com suas individualidades.

Quando um grupo G atua em um conjunto, cada elemento x do conjunto pode ser mirado como objeto pertencente a outro objeto chamado órbita de x, e denotado por (o(x)). O matemático pode ter interesse em mirar a órbita o(x) e, portanto, os múltiplos objetos da órbita o(x) são mirados como indistinguíveis e substituídos pelo objeto “órbita o(x)” para certos propósitos matemáticos. Ou seja, ainda tem o fato de que ser indistinguível depende do objetivo do matemático, não é uma propriedade irremovível do objeto e ligada eternamente a ele. É por isso que existem inúmeras teorias sobre um mesmo objeto, ou sobre as coleções estruturadas que eles podem formar. É um fato básico de Matemática!

 — A. Você agora deu uma viajada legal!

 — P. Em qualquer bom livro de Física sobre o modelo padrão de partículas você encontrará a ação de grupos sobre conjuntos e o importante estudo das órbitas como múltiplos objetos indistinguíveis. Não entendo o que está escrito no artigo.

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