Matemática e Música: em busca da harmonia (parte 5)

4. Contribuições para a Ciência/Música a partir do Renascimento

Do ponto de vista musical, o Renascimento caracteriza-se pela evolução da polifonia – superposição de melodias – e consequente desenvolvimento da harmonia. Realizando especulações matemáticas concernentes a esta área em seu Musica Teórica, Ludovico Fogliani (1470-1539) forneceu fortes subsídios para que Gioseffe Zarlino (1517-1590) – um dos maiores teóricos musicais da época – organizasse em sua obra Inztituzioni Armonique (1558) a base da educação científico-cultural em toda Europa durante dois séculos.

Dando continuidade ao teórico mencionado, encontra-se o espanhol Francisco Salinas (1513-1590), bem como o padre e matemático francês Marin Mersenne (1588-1648) que, dedicando-se ainda à acústica, apresenta-se como o primeiro teórico a fundamentar o estudo de harmonia no fenômeno da ressonância. Mantendo correspondências assíduas com René Descartes (1596-1650), Mersenne discutiu problemas e aspectos pouco claros do Compedium Musicae escrito pelo filósofo francês em 1618. Descartes estabeleceu no compêndio referidos conceitos estéticos de influência marcante ao Tratado de harmonia, escrito por Jean Philippe Rameau (1683-1764) cem anos mais tarde.

Modificando substancialmente a concepção pitagórica, Galileu Galilei escreveu em 1638 que nem o comprimento, nem a tensão e nem a densidade linear de cordas apresentava-se como razão direta e imediata subjacente a intervalos musicais, mas razões dos números de vibrações e impactos de ondas sonoras que atingiam o tímpano. Considerando o som que alcançava o ouvido invés do objeto vibrante que o produzia, Galileu verificou que a altura musical relacionava-se diretamente à frequência registrando rastros de arranhões desenhado numa placa metálica provenientes de uma haste vibrante solidária a uma membrana que recebia vibrações sonoras.

A percepção por parte de Galileu no século XVII de que a sensação de altura musical relaciona-se diretamente ao conceito de frequência marca o início da física da música em sua concepção atual. Tal idéia motivou esforços para o entendimento dos harmônicos musicais, já que durante este século parecia paradoxal – a princípio por parte de Mersenne – que um simples objeto pudesse vibrar simultaneamente em diferentes frequências. Os fundamentos desta idéia, por meio de fórmulas matemáticas demonstrativas concretizou-se mais tarde através de Newton, Laplace e Euler. A passagem do conceito de vibração ao de onda ocorreu na associação daquela à velocidade de propagação, gerando ondas progressivas.

Classificado como onda, o som ganhou uma nova dimensão que possibilitou seu estudo à luz da teoria ondulatória desenvolvida por Huygens (1629-1695), ponto significativamente estratégico na interação da matemática com a música na medida em que, compreendendo a natureza do som, torna-se possível entender, representar e manipular melhor os fenômenos musicais.

O ceticismo ao dogmatismo aritmético pitagórico em música desencadeou o interesse pelos determinantes físicos da altura musical no final do século XVI e princípio do século XVII. Tal postura manifesta-se, quando Vicenzo Galilei levantou o então paradoxo de que várias frações poderiam associar-se a um determinado intervalo.

A resolução da ambiguidade apresentada por Vincenzo Galilei encontra-se em seu filho Galileu (1564-1642) que modificou o referencial sonoro de até então, ao considerar em sua análise o som que atingia o ouvido ao invés do objeto vibrante que o produzia. Galileu explicou a consonância/dissonância de alguns intervalos ao escrever em 1638 que a explicação direta e imediata subjacente aos intervalos musicais não era o comprimento da corda, nem a tensão a que se encontrava sujeita, nem a sua espessura, mas sim a razão do número de vibrações e impactos de ondas de ar que batiam diretamente no ouvido.

Afirmou que o grau de consonância produzido por dois tons associava-se à proporção de impactos do som mais agudo que coincidia com aqueles resultantes do som mais grave. Que a frequência produzida por uma corda tencionada era inversamente proporcional à raiz quadrada da densidade linear de tal corda, fato corroborado e generalizado por Mersenne ao determinar, por meio de experimentos envolvendo cordas densas e de mais de 30 metros, outros parâmetros dos quais a frequência de vibração de uma corda ainda dependiam.

Uma das maiores questões que vinha acompanhando a acústica musical até então se referia ao mistério dos harmônicos do som. O matemático francês percebeu a importância dos harmônicos, requisitando seus inúmeros correspondentes a procurar uma explanação para tal fenômeno.

No que concerne a harmônicos, Fotenelle referiu-se à idéia subjacente ao princípio da superposição quando afirmou que cada metade, cada terço e cada quarto de uma corda de instrumento realizava suas vibrações parciais ao mesmo tempo que a corda inteira vibrava. A relação ciência/música encontra ainda ressonância na genialidade do matemático francês Joseph Saveur (1653-1716) que, apesar de ter sido surdo e mudo, descobriu pela primeira vez um meio de calcular o número absoluto de vibrações de um som. Considerado muitas vezes o pai da acústica, foi o primeiro a calcular a frequência dos batimentos produzida por duas notas.

     

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Como referenciar: "Matemática e Música (parte 5)" em Só Matemática. Virtuous Tecnologia da Informação, 1998-2024. Consultado em 17/05/2024 às 07:00. Disponível na Internet em https://www.somatematica.com.br/mundo/musica5.php

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