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Simetria na Matemática

 Os nossos leitores podem refletir conosco sobre a maneira como surgem os números naturais {0, 1, 2, 3,...} no problema natural da contagem, como naturalmente se pode prosseguir investigando suas propriedades e como naturalmente esta investigação nos leva a novos mundos simbólicos.

Um dos caminhos a seguir, na continuidade da investigação das propriedades dos números, é o caminho das equações. Perguntamos: qual é o número que somado a 1 resulta em 3? A resposta é muito simples:

se x +1 = 3, então x = 2.

Mas o cenário muda muito quando perguntamos:

qual é o número que somado a 1 resulta em 0?

Temos agora a equação:

x + 1 = 0.  

O leitor percebe que não é possível encontrar uma solução para esta equação no mundo dos números naturais. Aqui entra a simetria: por que não haveria uma solução para esta equação, por que o privilégio de certos números n em fazer com que a equação

x + 1 = n

tenha solução?

A equação acima seria assimétrica em relação a certos valores de n, caso ela não pudesse ser resolvida. É assim que surgem os números inteiros negativos. Eles são a simetria escondida da equação acima. Além do mais, eles também resolvem o problema da falta de simetria que notamos no mundo dos números naturais quando vemos que este mundo tem um começo (0) e não tem um fim, isto é, não existe o maior número natural. Agora com os números negativos o mundo dos números torna-se um mundo simétrico porque este novo mundo também não tem início:

{..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3,...}

Todas as equações do tipo x + m = n  passam a ter solução agora. Acabou-se o privilégio, de certos números sobre outros, de que a equação acima tenha para eles solução e para os outros não.

O leitor tem uma pergunta inevitável: mas no mundo da vida prática, como esta simetria dos números inteiros positivos e negativos poderá ser útil?

Bem, o leitor deve então perguntar se na vida prática existem fenômenos ou situações importantes que envolvem objetos opostos que podem ser imaginados como positivos e negativos. Se existirem, é necessário perguntar se a adição e a multiplicação de números inteiros relativos têm também sentido para tais objetos.

Uma boa idéia seria o leitor consultar um físico, um químico ou um biólogo, sobre a questão de existir, nas áreas desses pesquisadores, situações ou objetos que sejam suscetíveis a uma descrição quantitativa dentro de um mundo de quantidades positivas, negativas ou nula.  Enciclopédias também podem ser úteis em apresentar conhecimentos que foram adquiridos pela aplicação do conceito das quantidades negativas e positivas ao mundo real. 

Vimos que os números inteiros negativos {..., -3, -2, -1} resolvem o problema da assimetria dos números naturais {0, 1, 2, 3,...} que têm começo e não têm fim. Acrescentando-se os inteiros negativos, o novo sistema de números se torna simétrico em relação ao zero.

Como podemos representar os números negativos? Isto é, será que podemos imaginar uma figura que nos dê uma boa idéia do sistema de números inteiros?

Uma dessas maneiras é representar os números inteiros como pontos de uma reta. Escolhemos um ponto e o associamos com o número 0. Em seguida, marcamos o 1 à direita do 0, guardando uma certa distância. Com essa mesma distância marcamos o -1 à esquerda do 0. Depois o 2 à direita do 1, o -2 à esquerda do -1, e assim por diante. O ponto -n é portanto o ponto situado à esquerda do 0 a uma distância que é n vezes a distância do 0 ao 1.

O leitor não pode evitar a seguinte pergunta: o que pensar sobre os pontos que estão entre os pontos usados para representar os inteiros? Por exemplo, o ponto que está exatamente no meio entre 0 e 1 poderia corresponder a algum novo tipo de número? O leitor imediatamente dirá: bem, não seria a fração 1/2 o novo número a ocupar a posição média entre 0 e 1? Isso mesmo, as frações irão fazer o papel de preencher o “vácuo” entre os pontos inteiros marcados numa reta.

Novamente encontramos a situação científica da necessidade de preencher um espaço ou ampliar uma idéia que parecem indicar uma simetria escondida, ou um privilégio inexplicável. Aqui poderíamos dizer que o privilégio de apenas os números inteiros poderem ser representados como pontos de uma reta é estranho, inexplicável.

A simetria escondida aqui é a idéia de que todos os pontos, igualmente, deveriam representar números, não apenas os pontos usados para marcarem os inteiros.

O leitor encontra novamente a situação de perguntar se a Natureza possui processos que possam ser descritos por quantidades não inteiras. Matematicamente é natural imaginar o sistema numérico a partir de uma reta, escolhendo-se um ponto qualquer para representar o zero. Bem, pelo menos para nós, trezentos e tantos anos depois de René Descartes, o filósofo e matemático francês que introduziu a idéia de representação de números numa reta, criando a Geometria Analítica, isso parece natural.

Cada nova idéia que introduzimos, para resolver um problema de simetria escondida, ou outro problema qualquer de matemática, nos leva naturalmente a outras idéias inesperadas que fazem sentido e cujo desenvolvimento acaba nos revelando novas verdades matemáticas.

As novas verdades matemáticas, por sua vez, acabam nos revelando descrições de processos antes inexplicados, ou até desconhecidos, da Natureza.

Quando marcamos as frações numa reta temos a impressão de que todos os pontos da reta poderiam ser ocupados. Mas Pitágoras já havia percebido que a raiz quadrada de 2 não é um número fracionário. Assim, deveríamos também ser capazes de achar um ponto na reta para a raiz quadrada de 2. No final do Século 19 os matemáticos já sabiam que o número pi, que aparece na fórmula do comprimento da circunferência 2 pi R, também não é fracionário e, portanto, também deveria corresponder a um ponto na reta.

O número pi aparece também em muitas outras situações da matemática. Não se pode enumerar todas as ocorrências do número pi na matemática e inclusive em modelos matemáticos que buscam representar fenômenos da Natureza. Números como a raiz quadrada de 2 e o número pi, são chamados de números irracionais porque não são fracionários, isto é, não podem ser representados por razões entre números inteiros. Surge então uma pergunta natural: quantos são esses números irracionais? Há pontos na reta disponíveis para também representar esses números irracionais?

No final do Século 19 e início deste Século, o matemático Georg Cantor descobriu que existem muito mais números irracionais do que os números fracionários! A maneira como Cantor demonstrou essa verdade foi uma grande surpresa no meio matemático. Em uma outra oportunidade trataremos da questão de mostrar que há muito mais números irracionais do que números racionais ou fracionários.

A concepção da reta geométrica como reta numérica, isto é, cada ponto corresponde a um número fracionário (racional) ou a um número irracional, foi uma grande inovação na matemática.

Há cerca de 300 anos, Renée Descartes provavelmente não imaginava que a maioria dos pontos da reta geométrica seria correspondente a números irracionais. Mas uma outra pergunta surge imediatamente: será que acabaram-se os números reais? Ou será que ainda existe algum tipo de número real que também exigirá um ponto da reta geométrica para se acomodar nele?

Este problema de saber se os racionais e os irracionais esgotam os pontos da reta geométrica é o problema do completamento. Os matemáticos sabem hoje que a reta numérica é completa. Isto é, não existem vazios entre dois números reais quaisquer. Mas, será que isso encerra o problema de saber quais são todos os números que existem? É interessante observar que ainda não! Se por um lado já podemos visualizar os números reais como um continuum de pontos, isto é, uma reta sem buracos, por outro lado ainda não sabemos resolver o problema de encontrar um número cujo quadrado mais um seja zero.

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