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De volta ao infinitamente pequeno...

Tem sentido físico a idéia de quantidades cada vez menores, tão próximas de zero quanto quisermos? Esse é o famoso, e difícil, problema de saber como “do nada surge alguma coisa...”.

Talvez a intuição do leitor coincida com a nossa: “é impossível algo sair do nada...”. Se essa intuição for fisicamente correta, então não há simetria no processo de fracionamento de uma quantidade qualquer de qualquer coisa.

Por exemplo, imaginemos um tempo t positivo. Em seguida, imaginemos a seqüência de tempos t > t/2 > t/3 > t/4 > ... > t/n > ... > 0, representando um fracionamento do tempo tendendo a zero. Ou ainda, uma quantidade m de matéria e a seqüência m > m/2 > m/3 > m/4 > ... > m/n > ... > 0 representando um fracionamento de uma quantidade de matéria tendendo a zero. Um ser que vivesse um tempo infinito poderia realizar a seqüência m/n acima se aproximando infinitamente da quantidade zero.

Porém, esse mesmo ser não poderia realizar o processo “inverso”: pois seria impossível tirar algo do nada. Imediatamente vem uma pergunta, infelizmente também muito difícil: por que diabos um processo não pode ser revertido? Isto é, por que não pode também acontecer ao contrário?

Na Scientific American Brasileira de junho de 2004 (Número 25), o famoso físico Gabriele Veneziano nos ensina um pouco da Teoria das Cordas que surgiu de um modelo matemático que ele propôs em 1968 para descrever as partículas subatômicas. A entidade fundamental do Universo não seria mais uma partícula parecida com um “ponto”, mas sim parecida com uma “linha”, ainda muito pequena, mas “maior do que um ponto”. Acontece que uma corda quântica não pode ser quebrada! Conforme a maneira que ela vibra, uma partícula existe correspondendo a essa vibração. Como se fosse uma corda de violão que pode nos dar várias notas diferentes conforme o modo que ela vibra ao ser apertada de um certo jeito. Uma corda quântica não perde peso, portanto, não pode ser fracionada em pedaços de peso tendendo a zero.

Se não se pode atingir tamanho menor do que o da corda quântica, por outro lado as dimensões da realidade não são apenas as quatro propostas por Albert Einstein: comprimento, largura, altura e o tempo. Segundo a Teoria das Cordas, há mais sete dimensões espaciais.

Pasmem, um elétron, por exemplo, é uma corda quântica cujas extremidades se deslocam nas três dimensões espaciais que podemos perceber, mas ficam paradas nas outras sete!

A Teoria das Cordas propõe, portanto, pelo menos onze dimensões para o Universo.  E não há como obter quantidades infinitamente pequenas. Assim, a idéia de que poderíamos recuar no tempo, pelo menos imaginariamente, até o instante zero do tempo, é falsa! Isto é, também para a quantidade “tempo” não há como sair do zero porque o instante zero não existe!

Deve haver, então, uma quantidade mínima de tempo, assim como de espaço, de matéria, etc., aliás já existem modelos matemáticos para esse tipo de Universo. Em Matemática estamos livres dessas limitações. O número zero é número como qualquer outro, embora tenha propriedades especiais. Na reta numérica a simetria entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno é, digamos, perfeita, e ambos existem!

A existência em Matemática é diferente da existência física. Se bem que também já existem modelos de Universos que “realizam qualquer teoria matemática”. Na Scientific American Brasileira o leitor pode encontrar artigos sobre o Universo quantizado, isto é, sobre universo onde espaço, matéria e tempo não existem abaixo de certas quantidades, e sobre os modelos de “universos matemáticos”.

Em Matemática, a existência de um objeto é dada desde que ele possa ser definido ou axiomatizado. Os axiomas prescrevem as características dos objetos iniciais que não precisam ser definidos. A partir desses objetos iniciais podemos definir outros. Porém, quando isso acontece, precisamos mostrar que a definição tem sentido, isto é, que o objeto definido “existe”.

Vamos dar um exemplo. Axiomaticamente, aceitemos que o 1 e o 0 existem, assim como a adição de objetos que produz novos objetos. Então, têm que existir os objetos 1 + 1, 1 + 1 + 1, ..., etc., e definimos: 2 = 1 + 1! Assim, definimos o objeto 2 e mostramos que ele existe, pois ele é 1 + 1.

Não podemos definir “qualquer coisa” em Matemática e esperar que essa “coisa” exista. Por exemplo, tentemos definir o “círculo quadrado com três lados”. Como é que vamos mostrar que ele existe? Se tentarmos, teremos que enfrentar problemas de dificuldade intratável. Não iremos por aí.

Ter a intuição do objeto que vale a pena ser definido (que não seja do tipo “círculo quadrado”) é trabalho do matemático. Parte do prazer intelectual do matemático vem da “visualização intuitiva” de certos objetos, mesmo que eles ainda não tenham sido definidos, ou que já estejam definidos, mas sua existência necessita demonstração. Mais prazer intelectual o matemático obtém quando “enxerga” a demonstração da existência de um certo objeto.

A existência matemática, portanto, é apenas uma questão de coerência com um sistema de axiomas e um sistema lógico de deduções compatível. Entretanto, isso não quer dizer que a Matemática exista apenas como elucubração mental. A História da Ciência mostra claramente que idéias matemáticas sempre foram de importância científica fundamental.

Curiosamente, a Física tem sido um manancial de idéias matemáticas profundas. Tudo indica que continuará sendo e cada vez mais intensamente. A Teoria das Cordas é um exemplo de teoria matemática aguardando indícios empíricos de sua realidade física e, ao mesmo tempo, um exemplo de conjunto de idéias em Física impulsionando a pesquisa matemática, principalmente nas áreas de Topologia e Geometria Diferencial.

Parece que até 2010 a Teoria da Supersimetria em Física poderá ser corroborada, ou não, e isso finalmente trará indícios sobre a validade da teoria matemática das cordas quânticas para a existência física.

A existência matemática das cordas quânticas já é um fato consolidado. Mesmo que ela tenha que ser arquivada daqui a alguns anos. Ela tem a mesma existência da afirmação “a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus”. O mesmo podemos dizer sobre as afirmações “a soma é maior do que 180 graus” e “a soma é menor do que 180 graus”.

O leitor poderia “visualizar” três triângulos com essas características? Pense em triângulos desenhados numa folha de papel, triângulos sobre a casca de uma laranja e triângulos sobre a superfície de um alto-falante.  

Não há nada de errado com a existência matemática dessas três geometrias e, da mesma forma, não há nada de errado com a existência matemática da Teoria das Cordas Quânticas.

Se alguma teoria física for substituída pela Teoria das Cordas, ou não, ambas continuarão tendo existência matemática tanto quanto as três geometrias acima.

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