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Simetria na Matemática II

É interessante pensar nos pontos da reta Euclidiana (a reta da geometria que você conheceu no ensino fundamental) como números. Essa invenção foi a responsável por uma grande revolução na Matemática do Século XVII. Ela é a famosa idéia de coordenada cartesiana. Com ela podemos pensar em problemas geométricos usando números e, portanto, álgebra. Os pontos da reta Euclidiana tornam-se, desse ponto de vista, elementos de uma estrutura algébrica: é a importantíssima estrutura dos números reais. Na verdade, podemos estudar os pontos da reta Euclidiana, por exemplo, como uma estrutura de álgebra ou como uma estrutura de corpo (não vamos precisar nesse artigo da definição de corpo). Na coluna anterior mencionamos o problema de saber se haveria “buracos” entre dois números reais ou, equivalentemente, se haveria “espaços vazios” entre dois pontos da reta Euclidiana. Todo estudante sério de Matemática se depara com esse problema, caso esteja em contato, evidentemente, com bons livros de Análise Matemática. Os bons livros colocam em ordem as idéias importantes e dão um tratamento competente ao esclarecimento delas e à sua justificação lógica. Aqui continuaremos expondo algumas dessas idéias de um ponto de vista intuitivo e informal.

A necessidade humana de “ver” simetria nas idéias e nos conceitos leva à tentativa de “preencher” os possíveis espaços vazios que possam existir entre dois números reais, digamos “por horror ao vácuo”. Os matemáticos do final do Século XIX, como por exemplo Dedekind, encontraram uma justificação para a inexistência de espaços vazios entre dois números reais. Passemos, então, a imaginar a reta Euclidiana como sendo a reta numérica real.

Se os pontos são também números, é inevitável perguntar-se quais as relações algébricas que esses números satisfazem. Por exemplo, como já observamos, Pitágoras se defrontou com uma solução da equação x2 - 2 = 0, a raiz quadrada de 2, e descobriu o problema de “como acomodar” esse ponto na reta Euclidiana, embora não na perspectiva de Descartes, dois mil anos mais tarde, que “assumiu” claramente que cada ponto correspondia a um único número e cada número correspondia a um único ponto da reta Euclidiana¾Pitágoras não teria, por exemplo, o lado esquerdo da reta pois não conhecia os números negativos. Mas Pitágoras não encontrava na reta Euclidiana um ponto para representar a medida da hipotenusa de um triângulo retângulo cujos catetos mediam 1. Algebricamente falando, o problema era o de saber qual tipo de número resolveria a equação x2 - 2 = 0. Com o completamento da reta numérica obtido por Dedekind, resta-nos então perguntar, naturalmente, quais as equações que ficam resolvidas por esse completamento e quais não ficam. Imediatamente nos lembramos da equação x2 + 1 = 0. Não há como encontrar um ponto na reta Euclidiana para as soluções dessa equação. E por falar em suas soluções, quais são mesmo suas soluções?

Novamente a história se repete, se bem que como numa espiral, e agora nos encontramos num patamar acima daquele que nos levou a descobrir a simetria escondida entre dois números reais quaisquer. A simetria escondida, que agora nos motiva a sair novamente em busca de sua identidade, pode ser justificada pela pergunta: por que não haveria também “números” que solucionam a equação x2 + 1 = 0? Por uma questão de “simetria”, deve existir um “espaço geométrico”, assim como o espaço da reta Euclidiana, que contenha os “pontos” que são as “soluções numéricas” dessa equação. 

Que pistas há para seguirmos na busca dessa simetria escondida? A própria idéia de simetria já consiste numa grande pista. Se acreditamos na existência de um espaço de pontos que resolve simetricamente o problema de fazer com que todas as equações polinomiais tenham soluções numéricas, comecemos então a descrever como tem que ser esse espaço. Isto é, se ele existe, e se ele possui as propriedades que “necessitamos” que ele tenha para satisfazer nosso “desejo de simetria”, então será que já não podemos eleger alguns candidatos a essa posição no mundo da Matemática? Você já percebeu que estamos nos encaminhando para um candidato óbvio: o plano Euclidiano. Se a reta Euclidiana deu conta de representar as soluções de algumas equações polinomiais, não seria o plano Euclidiano a continuação natural desse espaço, e não seriam seus pontos “os números” que ansiosamente esperamos possam resolver todas as equações polinomiais?

Historicamente isso não foi fácil. Muitos matemáticos geniais participaram em diferentes épocas dessa saga, obviamente sem terem o ponto de vista da simetria que sugerimos acima, para que hoje possamos pensar nesse problema de uma forma simples, unificada e harmoniosa. Onde se localiza a raiz quadrada de –1? Não pode ser na reta Euclidiana porque lá o espaço está completo, não cabem mais pontos. Algebricamente falando, não há como elevar um número real ao quadrado e obter-se –1. A necessidade de ver o mundo por intermédio de simetrias nos leva a forjar um novo espaço de pontos mas que não “estrague” o espaço que já conquistamos na reta Euclidiana. O plano Euclidiano, continuação da reta Euclidiana numa “segunda dimensão” é, pois, o candidato natural.

Se assim é, somos, então, forçados a resolver alguns problemas. Como será a adição desses novos números? Como será a multiplicação deles? Somos levados a supor que eles tenham a possibilidade da adição e multiplicação porque eles têm que ser uma “extensão” dos números reais. É natural, então, supor que eles também se somem e se multipliquem entre si. Além do mais, essas operações têm que satisfazer as propriedades que os números reais satisfazem. Assim, se tomarmos dois pares de números reais para representar dois pontos do plano Euclidiano, seremos forçados a concluir que a sua soma e o seu produto são dados por aquelas regras que você já conhece como as operações entre números complexos. Resta perguntar se isso resolve o problema de fazer com que toda equação polinomial tenha uma solução. A resposta para essa pergunta é o famoso Teorema Fundamental da Álgebra, Tese de Doutorado de Gauss: “Todo polinômio complexo tem raiz complexa”. 

Agora estamos de posse de duas estruturas algébricas: a álgebra dos números reais (representada geometricamente pela reta Euclidiana) e a álgebra dos números complexos (representada geometricamente pelo plano Euclidiano). 

Você pode enunciar, agora, uma próxima pergunta muito natural nessa ordem lógica de idéias: “será, então, que o espaço tri-dimensional Euclidiano não estaria escondendo uma simetria ainda mais ampla”? Ou dito de outra forma: “não seria, então, o espaço tri-dimensional Euclidiano uma álgebra de dimensão 3 que estende as propriedades dos números complexos a números de 3 coordenadas”?

Façam suas apostas. O pessimista poderá prever: “a resposta é negativa porque, como Gauss mostrou, os polinômios já se satisfazem com números complexos, não sendo mais necessários outros números para resolvê-los”. O otimista poderia retrucar: “é estranho essa simetria cessar em dimensão 2; em dimensão 3 ela deve estar escondida!”.

E ambos poderiam acrescentar: “é interessante uma estrutura algébrica satisfazer nosso desejo de resolver simetricamente todas as equações polinomiais, mas para que servem todas essas elucubrações?”. 

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