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Simetria na Matemática IV

Não é paradoxo dizer que em nossos momentos
mais teóricos
podemos estar mais próximos de
nossas aplicações mais práticas.

    A.  N. Whitehead

... Podemos argumentar que, uma vez que apenas dois símbolos, o 0 e o 1, povoam, por enquanto, nosso universo, é fundamental decidir se 1 + 1 seria um novo ente. Além do mais, a mesma pergunta se aplica aos casos   0 + 1, 0 ´ 1, 1 ´ 1, 0 ´ 0 e 0 + 0: será que também aqui novos entes serão gerados?  ...

... Já discutimos, em colunas anteriores, os casos em que 1 + ... + 1 pode ser 0. São as estruturas finitas de números. Iniciamos agora a discussão do caso em que 1 + ... + 1 nunca é 0, qualquer que seja o número de parcelas nessa soma, isto é, o caso do corpo dos reais. ...

Imaginarmos uma estrutura de números, onde o gerador 1 jamais gera o 0 na adição, é uma atitude não trivial. Essa imaginação põe, imediatamente, o problema da invenção dos símbolos adequados para representar uma quantidade “infinita” de números. Isto é, precisamos um símbolo para o 1+1, para o 1+1+1, etc.. Deparamo-nos, imediatamente, com a idéia mais importante da Matemática: a idéia do infinito. Como fazer para nos acostumar com essa idéia? Não há nada no cotidiano que nos inspire e que acomode nosso espírito a essa idéia. Ao contrário, essa idéia é que parece trazer luz para inúmeros quebra-cabeças de nossa vida prática. Mas o primeiro problema que nos cabe enfrentar, se é que gostamos de ordem nas idéias, é o problema de representar uma quantidade infinita de números. Esse problema está longe de ser fácil, tanto que a humanidade somente encontrou uma solução satisfatória para ele por volta do ano 1000 D. C.

Foi na Índia e na Arábia que esse problema parece ter sido resolvido. A solução é o Sistema Posicional onde o símbolo 0 tem um papel de fundamental importância. Essa invenção é comparável, em termos de liberação de forças poderosas de progresso, à revolução da informática na década de 1980. O cálculo básico deixou de ser um obstáculo à imaginação matemática. O Sistema Posicional podia fornecer um método eficiente de geração e representação de uma quantidade ilimitada de números a partir de um punhado de dez símbolos: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9. O número seguinte não apresenta mais problemas de representação: é o 10, onde o 0 ocupa uma posição obrigando o 1 a ocupar uma nova posição permitindo, assim, sempre com os mesmos símbolos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, indicar um número “dez vezes maior” do que o gerador 1, ou qualquer outro número da forma 1+1+1+...+1, seja lá qual for a quantidade de parcelas iguais a 1.  

Porém, esse avanço foi apenas no campo da computação numérica, nem por isso menos importante. O avanço mais espetacular estava por vir no campo da conceituação. O Sistema Posicional sugeria que uma representação com infinitos dígitos (0,111...) poderia corresponder a um número da mesma maneira que uma representação finita tal como 2,3045. Nesse ponto estamos diante de três idéias de importância colossal: além da idéia de que existem infinitos números, que já mencionamos anteriormente, nos deparamos com a idéia de que existem números que exigem uma representação decimal infinita e com a idéia de que existem números infinitamente pequenos. Aqui está um pilar da idéia de simetria que permeia a Ciência Contemporânea. Simetricamente à idéia de infinitos números, portanto da idéia de números infinitamente grandes, nos deparamos com a idéia dos números infinitamente pequenos que é indissociável da idéia de números com representação decimal infinita. 

Não é surpreendente verificar que uma estrutura desse tipo possui uma riqueza também infinita. Ela contém, por exemplo, uma representação para um ciclo infinito. É fácil encontrarmos ciclos finitos na Natureza como dia e noite, estações do ano, ciclos biológicos, etc., mas ciclos infinitos parecem não existir no mundo real. Paradoxalmente, a idéia de ciclo infinito, associada aos números 1, 1+1, 1+1+1, ..., nos parece natural e nos causa uma atração irresistível. O surpreendente está na capacidade de uma estrutura como essa ser útil na solução de nossos problemas práticos e teóricos, mesmo diante da nossa incapacidade de detectar ciclos infinitos na Natureza. O mundo finito encontra aplicações fantásticas da idéia de infinito.

Seguindo uma certa ordem de idéias, precisamos resolver um problema: por que o ciclo infinito 1, 1+1, 1+1+1, ..., tem início e não tem fim? Em nossa imaginação isso não parece ser um defeito mortal, mas é, sem dúvida, uma característica intrigante: ele é, portanto, assimétrico. Se criarmos “o seu lado esquerdo” eliminamos essa assimetria. Assim, incorporamos os simétricos negativos dos números gerados pelo 1 e temos:

..., -(1+1+1), -(1+1), -1, 1, 1+1, 1+1+1, ... .

    Mas entre negativos e positivos apareceu um “vácuo” que poderia ser preenchido por um número que fosse “neutro”, isto é, nem positivo, nem negativo. Essa pequena assimetria pode ser eliminada pelo 0. Ficamos, então, com um ciclo infinito de tipo mais simétrico que não tem começo e nem fim, e é infinito:

..., -(1+1+1), -(1+1), -1, 0, 1, 1+1, 1+1+1, ... .

    Agora nossa mente parece ter alcançado um estado de equilíbrio. A representação numérica acima parece ter abarcado o máximo de nossa imaginação a respeito de representação de ciclos infinitos. Até que um novo problema nos desafie podemos nos considerar satisfeitos com essa representação dos números possíveis. Pelo menos no que diz respeito aos números gerados pelo 1. Essa parece ser a máxima estrutura gerada pelo 1 quando nossa imaginação exige que nunca 1+1+1+...+1 seja 0.

   Havíamos mencionado acima a idéia dos números infinitamente pequenos. De onde vem essa imaginação? Novamente, ela vem da solução de mais uma observação intrigante: por que existiriam apenas números infinitamente grandes como os que obtemos na seqüência acima? Isto é, o 1 gera infinitos números por meio da adição e, portanto, gera números infinitamente grandes. Não poderíamos imaginar também números infinitamente pequenos? Esses últimos seriam gerados por quem?

   Após alguns momentos de introspecção rigorosa, podemos observar que, realmente, estamos diante de um novo desafio, de uma nova assimetria. Descobrimos que não é satisfatório aceitarmos uma estrutura numérica que contemple números que podem apenas crescer. Detectamos a falta de números que podem também decrescer. Essa assimetria precisa ser corrigida sob pena de termos que conviver com uma inquietação que se transformará, sem dúvida alguma, em insatisfação. Mas como resolver mais esse problema?

   Mais uma vez o Sistema Posicional mostrará seu imenso poder. Argumentos muito simples podem ser acionados para desvendarmos essa simetria escondida do infinitamente pequeno fazendo um contraponto com o infinitamente grande. Afinal de contas, não é essa a intuição que nos sugere a experiência de convívio com a Natureza Física?  

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