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Um pouco mais sobre par ordenado    

Se a e b são conjuntos, então definimos “par ordenado” como sendo o conjunto (a, b) = {{a}, {a, b}}. Essa é a famosa definição dada pela primeira vez por Norbert Wiener. Havíamos deixado um desafio a você: por que (a, b) ≠ {a, b} ? Argumentamos que o conjunto {a, b} não é igual ao par ordenado (a, b) simplesmente porque existem conjuntos em {a, b}, por exemplo, b, que não pertencem ao conjunto (a, b). Mas ainda tínhamos deixado um segundo desafio para você: por que b não pertence a (a, b)? Na verdade, poderíamos dizer também que a não pertence a (a, b). Vamos lá: se a pertencer a (a, b) = {{a}, {a, b}}, então ou a = {a} ou a = {a, b}. Em qualquer um dos casos, concluímos que a pertence a a. Poderíamos, então, escrever a = {a,...} = {{a,...},...} = {{{a,...},...},...} = ... .

É claro que precisamos fazer alguns comentários agora. Em primeiro lugar, precisamos explicar o que estamos querendo concluir. Bem, estamos querendo concluir um absurdo! Isso porque estamos raciocinando de acordo com um modelo de demonstração muito antigo, que já era conhecido pelos gregos antes de Cristo. É o famoso “reductio ad absurdum”. Essa estratégia de demonstração consiste em supor que a conclusão que queremos é falsa e, a partir dessa hipótese, deduzir uma proposição absurda, isto é, não válida de acordo com nossas convenções lógicas. Assim, supusemos que o par ordenado (a, b) era igual ao conjunto {a, b}. Essa hipótese é a negação daquilo que queremos, isto é, é a negação da afirmação de que esses dois conjuntos são diferentes. Deduzimos, então, que a pertence a a. Ora, então podemos indicar esse fato escrevendo a = {a, ...}, justamente porque a é um dos conjuntos que pertencem a a. Mas podemos pensar isso de novo e escrever: a = {{a, ...}, ...}. Note que já estamos utilizando dois pares de chaves para o conjunto a. Se pensarmos de novo no fato de que a pertence a a, podemos mais uma vez escrever a = {{{a, ...}, ...}, ...}. Ora, você já percebeu que esse processo não pára mais.

Você poderia questionar nosso procedimento dizendo: olhem, vocês ainda não definiram o que são “três pontos”, então por que estão escrevendo “...”? Seria uma crítica fulminante. Mas, digamos que apenas estamos tentando indicar nosso raciocínio, e que depois de chegarmos intuitivamente ao nosso objetivo colocaríamos tudo em pratos limpos, isto é, faríamos uma dedução respeitando todas as nossas convenções lógicas, definições e axiomas já estabelecidos. Se você nos conceder essa trégua, então podemos dizer que estamos diante de um fato, no mínimo, desconfortável e provavelmente indesejável. Essa estória de “infinitas” chaves nos assusta, e não parece ser boa coisa! Além do mais, a idéia de um conjunto pertencer a si mesmo não é intuitiva, pelo menos para nós (e para você?).

O que fazer? Para estudar matemática pode-se recorrer à história dela, procurando aprender como outros matemáticos enfrentaram as mesmas questões que descobrimos por nós próprios. Às vezes descobrimos questões novas e, nesse caso, pode ser que a história não nos ajude. Mas, no caso da aberração das infinitas chaves, temos sorte: o matemático D. Mirimanoff descobriu em 1917 que essas seqüências decrescentes infinitas de pertinência podem existir. Em outras palavras, elas podem existir matematicamente. Mas ele parece não ter gostado muito delas e propôs um axioma que as proíbe. Será o nosso nono axioma. Assim, como o nono e último axioma vai proibir esse tipo de “aberração de pertinência”, concluímos que chegamos a um absurdo por termos suposto que o par ordenado (a, b) fosse igual ao conjunto {a, b}. Agora lançamos mão dos princípios da não contradição e do terceiro excluído para concluir que (a, b) ≠ {a, b}.  Devemos-lhe uma explicação sobre a sugestão que lhe demos de que “b não pertence a (a, b)”, na última coluna, para a demonstração de que (a, b) ≠ {a, b}.

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