Você está em Comunidade > Colunas

Simetria na Matemática III

Estudo sem pensamento é trabalho perdido; pensamento sem estudo é perigoso.

  CONFÚCIO (551-479 a.C.), Analecta.

 ...é interessante uma estrutura algébrica satisfazer nosso desejo de resolver simetricamente todas as equações polinomiais, mas para que servem todas essas elucubrações?”.         

O truque para resolvermos a equação x2 + 1 = 0 foi imaginar uma segunda reta de números, que pode ser representada perpendicularmente à reta dos números reais em um plano Euclidiano. Essa segunda reta contém os números imaginários (um nome que foi escolhido na história porque durante muito tempo a razão da existência desses números foi um mistério) ..., -3i, -2i, -i, 0, i, 2i, 3i, ... .  São os múltiplos da unidade imaginária i. Mas esses não são os únicos múltiplos de i. Qualquer número real pode ser multiplicado por i. Por exemplo,  p i é um múltiplo de i, ou ainda, Ö 2 i, a raiz quadrada de 2 vezes i. Nessa reta adicional, perpendicular à reta dos números reais no plano Euclidiano, se localizam todos os números imaginários puros. Isto é, os números inventados para resolvermos a equação  x2 + a = 0, onde a é um número real positivo. Como queremos que essa reta tenha uma grande semelhança com a reta real que já conhecíamos, então ela precisa conter exatamente uma cópia da anterior. Podemos entender essa cópia muito facilmente: imagine que o 1 da reta real seja substituído pela unidade imaginária i. Pronto, agora é só imaginar um número real a qualquer  e sua cópia imaginária a i. Em termos algébricos, se multiplicarmos  a i por  b i, obtemos (a i) (b i) = ab i2 = - ab. Quanto à soma de dois imaginários puros temos, facilmente, por imitação da soma real: a i + b i = (a + b) i. Temos, assim, uma simetria perfeita entre a reta real e a reta imaginária. Observemos que a palavra "imaginário" é apenas um modo de expressão porque a reta imaginária não tem, realmente, nada de imaginário, uma vez que é uma simples reta perpendicular à reta real que já nos era familiar na Geometria Euclidiana.

Muito bem, mas e os outros pontos do plano Euclidiano? Por enquanto utilizamos apenas duas retas, perpendiculares entre si, do plano Euclidiano. O que fazer com os outros pontos desse plano? Bem, a pergunta natural, que está caindo de madura para ser feita aqui é: podemos fazer alguma coisa com eles? Por que não tentar fazer com eles as mesmas coisas que fazemos com os números reais, como  adicionar, multiplicar, dividir, calcular potências, extrair suas raízes quadradas, cúbicas, etc.? Temos um excelente guia que é a estrutura de álgebra dos números reais, e podemos, imitando tudo o que acontece nessa estrutura, tentar transplantá-la para os números complexos, isto é, para os pontos do plano. Antes de embarcarmos nessa aventura, recordemos as propriedades básicas da estrutura dos números reais. Imitando os números reais é a única maneira de termos sucesso com a estrutura dos números imaginários ou complexos.

    Os números reais possuem a estrutura de corpo. O que é um corpo? É um conjunto de símbolos que podem ser manipulados segundo certas regras. Há apenas duas operações: uma adição “+” e uma multiplicação “´”. Os símbolos podem ser imaginados como os pontos de uma reta Euclidiana. Há dois símbolos especiais: o 0 e o 1. Na verdade, o 0 funciona na adição como o 1 na multiplicação, isto é, temos uma simetria quase perfeita de comportamento desses dois símbolos. Estamos dizendo “dois” mas ainda não sabemos isso. Isto é, não discutimos ainda a razão de eles serem diferentes. Essa é uma idéia fundamental bem interessante da Matemática. Por que 0 tem que ser diferente de 1? Na verdade, não há razão alguma para isso. Senão vejamos: se 0 é igual a 1, então 2 = 1 + 1 = 0 + 0 = 0, isto é, não aparecem novos números gerados pela adição da unidade 1 consigo mesma! Isso faz com que a estrutura gerada pelo 1, que é igual a 0, colapse formando um conjunto de apenas um único símbolo {0} = {1}. Ora, o que fazer com um conjunto de apenas um símbolo? No máximo ele vai modelar um universo de apenas um objeto ...! Portanto, não há contradição em se identificar o 0 com o 1. O único inconveniente é que a estrutura gerada nesse caso não tem graça. Os matemáticos diriam: “é uma estrutura desinteressante”. Desinteressante porque não há padrões a serem descobertos e estudados. A simetria é total. Quando a simetria de uma estrutura é total, ou perfeita demais, não podemos detectar nada nela. É como você imaginar uma circunferência e girá-la de um ângulo de 45 graus: que diferença há entre as duas? Nenhuma. Mas se você girar um quadrado de um ângulo de 45 graus, que diferença há entre os dois? Bem, agora vemos um losango (que ainda é, nesse caso, um quadrado, mas a sensação visual é completamente diferente)...! Esse é o segredo para se entender porque a "idéia de quebra de simetria" tem sido tão bem sucedida em Física nos últimos 50 anos. A realidade percebida pelo homem parece "uma simetria que foi quebrada". Uma grande pergunta é, portanto, onde está a simetria escondida? Podemos considerar a “estrutura colapsada 0 = 1” como uma simetria perfeita, total. A principal conseqüência disso é que não conseguimos pensar em mais nada. Não há nada a ser percebido, não há nada a ser perguntado, não há pistas de nenhum padrão interessante. O único padrão se resume na maçante operação a + a = 0 = a ´ a = 0 = 1 + 1 = 1 = 0 + 0 = 0 ´ 1 = 1 ´ 1 = 1 = 0 = a. Ou seja, não existe realidade, não existe nada além de um ponto 0 = 1, e nada escapa desse ponto, e nada interessante acontece com esse ponto.

    Um jeito de fugirmos desse marasmo é imaginar um universo onde 1 não é 0. Essa "inocente hipótese", por si só, nos fornece abruptamente um turbilhão de possibilidades. A primeira pergunta, naturalmente, é: se 1 não é 0, então quanto é 1 + 1? Instantaneamente caímos em uma situação riquíssima onde jorram pistas de padrões interessantes, mas perduram ainda incertezas quanto às estruturas possíveis. Isto é, precisamos decidir qual possibilidade iremos investigar. Qual pista para se encontrar uma realidade iremos seguir. A continuação dessa pesquisa exige que respondamos à pergunta: 1 + 1 é diferente de 1? Podemos organizar nosso pensamento de uma maneira simples argumentando que, uma vez que apenas dois símbolos, o 0 e o 1, povoam, por enquanto, nosso universo, é fundamental decidir se 1 + 1 seria um novo ente. Além do mais, a mesma pergunta se aplica aos casos   0 + 1, 0 ´ 1, 1 ´ 1, 0 ´ 0 e 0 + 0: será que também aqui novos entes serão gerados?  Um corpo é uma estrutura com duas operações, adição e multiplicação, com seus respectivos elementos neutros 0 e 1, e que satisfaz certas propriedades. Ao concebermos 0 e 1 como elementos neutros, já resolvemos metade do problema anterior. Isto é, ficam automaticamente resolvidas as questões:  1 ´ 1 = 1, 0 + 1 = 1,  0 + 0 = 0, 1 ´ 0 = 0. Basta observar que 0 e 1 são os elementos neutros, respectivamente, da adição e da multiplicação. Por exemplo, 1 ´ 0 = 0 porque 1 é o elemento neutro da multiplicação e, sendo assim, ele não afeta o número pelo qual ele está multiplicando. Simetricamente, 0 + 1 = 1, porque o 0 é neutro na adição. O problema de saber se 1 + 1 é diferente de 1 é muito mais envolvente. Já discutimos, em colunas anteriores, os casos em que 1 + ... + 1 pode ser 0. São as estruturas finitas de números. Iniciamos agora a discussão do caso em que 1 + ... + 1 nunca é 0, qualquer que seja o número de parcelas nessa soma, isto é, o caso do corpo dos reais.

Voltar para colunas

Curso on-line do Só Matemática

Coleção completa das videoaulas do Só Matemática para assistir on-line + exercícios em PDF sobre todos os assuntos, com respostas. Clique aqui para saber mais e adquirir.