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Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria V

Portanto, um vetor pode representar um fenômeno da Natureza e as operações entre vetores continuam representando fenômenos da Natureza. É inevitável, então, perguntar: que outras operações entre vetores representam fenômenos da Natureza? Que álgebras de vetores são capazes de desvendar o comportamento da Natureza?  Até onde o Homo sapiens sapiens pode ir nessa investigação da Natureza?

Simetria, Anti-simetria e Quebra de Simetria IV

As funções senoidais f(q) = A sen (wq  + q0) são modelos matemáticos para sinais ou ondas, eletromagnéticas por exemplo, onde A é a amplitude, w é a freqüência do sinal e q0 é a fase inicial. Esses modelos matemáticos são muito adequados para descrever as tensões fornecidas pelos geradores de corrente elétrica alternada em circuitos de estado estacionário.

Dado um sinal periódico, razoavelmente bem comportado, podemos descrevê-lo como uma soma infinita de funções senoidais (lembramos que funções co-senoidais são também um tipo de senoidais) como descobriu Joseph Fourier (1768-1830), um matemático francês muito próximo de Napoleão, e o primeiro que empreendeu um estudo sistemático de aproximações de funções por séries trigonométricas. Em 1822 publicou seu famoso trabalho Theorie Analytique de la Chaleur. Daniel Bernoulli (1700-1782) já havia estudado esse tipo de aproximação para resolver problemas de cordas vibrantes (1747). Em 1824 Fourier obteve a soma infinita que descreve o movimento de uma onda de calor através de um corpo.

A Análise de Fourier, importante ramo da Matemática Contemporânea que se desenvolveu como conseqüência da descoberta de Fourier, não é um estudo trivial. Particularmente, tratar de circuitos elétricos simples, matematicamente, já é uma tarefa não trivial. Entretanto, engenheiros descobriram que os números complexos, mesmo sendo considerados por muitos como números “imaginários”, poderiam simplificar consideravelmente o tratamento matemático de circuitos elétricos.

Um circuito RLC, isto é, com resistência, bobina e capacitor, no caso em que a força eletromotriz (f.e.m.) e(t) é uma senóide (ou uma co-senóide), caso importante de corrente alternada, admite uma solução elegante e simples para a carga que passa a circular nele, por meio de um tratamento algébrico utilizando-se os vetores do plano subordinados à multiplicação complexa.

           É o tratamento dos elementos de um circuito elétrico por fasores. Entretanto, lembremos antes das Leis de Kirchhoff.

           O físico alemão Gustav Robert Kirchhoff (1824-1887) enunciou em 1845 as Leis que permitem equacionar correntes, voltagens e resistências de circuitos elétricos. Isto é, na resistência a taxa de variação de tensão dVR/dt é proporcional à corrente i = dQ/dt no instante t, de onde escrevemos:  

dVR/dt  =  R i  =  R  dQ/dt;

 

no capacitor, a taxa de variação da tensão dVC/dt  é inversamente proporcional à carga Q(t) no instante t, de onde escrevemos:  

dVC/dt  =  Q/C;

 

e, na bobina, a taxa de variação de tensão dVL/dt é proporcional à taxa de variação de corrente di/dt no instante t, de onde escrevemos:  

dVL/dt  =  L  di/dt  =  L  d2Q/dt2.

 

Estamos utilizando a célebre notação dy/dx do filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) para a taxa de variação instantânea de uma quantidade y em função de outra x. Observamos que a segunda taxa de variação instantânea d2Q/dt2 da carga elétrica Q é a primeira taxa de variação instantânea di/dt da corrente elétrica i em relação ao tempo t.

        Consideremos a Equação Diferencial Ordinária Linear (EDOL) de segunda ordem dada pela idéia de que a soma das quedas de tensão é igual à f.e.m. fornecida ao circuito:  

L d2Q1/dt2  +  R dQ1/dt  +  Q1/C  =  V cos (w t)

 

onde V é o valor máximo da f.e.m. fornecida.

        Para podermos utilizar a famosa e bela fórmula de Leonhard Euler (ejx = cos x + j sen x), onde j é a unidade complexa tal que j2 = -1, imaginamos uma simetria escondida para a equação elétrica acima, que nada mais é do que o mesmo circuito recebendo uma f.e.m. dada por V sen (w t), que responderá, portanto, com uma carga Q2 e uma corrente i2.

        Completemos, então, a simetria complexa dessa EDOL acrescentando a ela seu complemento simétrico imaginário, isto é, a equação:  

[L d2Q2/dt2  +  R dQ2/dt  +  Q2/C]  =  V sen (w t).

 

        A carga imaginária Q2 simetricamente ligada á carga Q1 forma uma carga complexa Q apenas para podermos utilizar a fórmula de Euler. Essa fórmula mostra que resolver uma dessas equações significa, automaticamente, também resolver a sua simétrica. Isso se deve à notação vetorial plana e à notação complexa de Euler que permitem juntar as duas equações em uma só. Usando aspas para a notação dy/dx de Leibniz, temos:  

L(Q1´´ + jQ2´´)   +  R(Q1´ + jQ2´)  +  (Q1 + jQ2)/C  =  V cos (w t) + jV sin (w t),

 

ou seja, complexificamos as cargas elétricas e as f.e.m.´s. Assim, temos:  

LQ´´  +  R  +  C-1Q  =  V ejwt.

 

com Q = Q1 + jQ2, Q´ = Q1´ + jQ2´, Q´´ = Q1´´ + jQ2´´ e ejwt = V (cos (w t) + j sen (w t)).

        Essa simetrização é válida da mesma forma para a famosa e importante EDOL conhecida como sistema massa-mola, velha conhecida dos engenheiros, onde a força externa aplicada ao sistema, que faz o papel da f.e.m. aplicada ao circuito elétrico, for periódica da forma V cos (w t) ou V sin (w t).                  

        A solução da EDOL elétrica complexa é um fasor, isto é, uma carga elétrica complexa que fornece uma corrente elétrica complexa i(t) = K ejwt. Portanto, um sistema massa-mola complexo análogo também pode ser resolvido por fasores se a força externa aplicada ao sistema for periódica da forma V cos (w t) ou               V sen (w t).

        Qual é o nosso ganho prático com essa imaginação vetorial complexa de um fasor, ou seja, de uma corrente elétrica complexa i(t) = K ejwt? Graças à propriedade de que a taxa de variação instantânea da função exponencial é ela mesma, o ganho prático é enorme.

          Suponhamos que a solução da EDOL elétrica vetorial complexa seja um fasor, isto é, uma carga elétrica vetorial complexa que possa ser representada por uma expressão complexa. Então:               

(t) = K ejwt   =   i(t)  Þ   Q(t) =  ò K ewtj  dt   =   jw-1 K ewtj.

 

Calculando a primeira taxa de variação instantânea da corrente, temos:  

i(t)  =  K ewtj  Þ  i´(t)   =  w j K ewtj.

 

Então, substituindo na EDOL vetorial complexa essas expressões, obtemos:

L (w j K ewtj)  +  R K ewtj      C-1 (jw-1 K ewtj)  =  V ewtj.

 

Dividindo os dois membros da equação por ewtjvem que:  

L (w j K)  +  RK    C-1 jw-1 K  =  V.

 

        Ou seja, a constante complexa K é dada por:

 

K =  V / [R  + (Lw     C-1w-1) j] Û K = V [R  – (Lw     C-1w-1) j] / [R2  + (LwC-1w-1)2].

 

        Logo, podemos escrever: i(t)  =  i1(t) + j i2(t)  =  K ewtj     Þ

 

i(t)  =  i1(t) + j i2(t)  =  V [R  + (C-1w-1 Lw) j] [cos(w t) + j sen(w t)] / [R2 + (LwC-1w-1)2],

 

de onde concluímos, simultaneamente, que:

 

i1(t) =  V [R cos (w t) – (C-1w-1 Lw) sen (w t)] / [R2 + (LwC-1w-1)2],

 

i2(t) = V [(C-1w-1 Lw) cos (w t) + R sen (w t)]/[R2 + (Lw    C-1w-1)2].

 

        Para obtermos as cargas reais procuradas, basta integrarmos as correntes reais:

Q1(t) = Vw-1 [R sen(w t) + (C-1w-1 Lw) cos(w t)]/[ R2 + (Lw    C-1w-1],

 

Q2(t) = Vw-1 [(C-1w-1 Lw) sen(w t) – R cos(w t)]/[R2 + (Lw    C-1w-1].

 

        Engenheiros descobriram que há ainda mais ganhos interessantes com a definição de uma impedância complexa. Definimos a impedância complexa do circuito RLC como sendo o quociente

 

Z = V/I = V ejwt / K ejwt  = V ejwt / {V ejwt / [R  + (Lw     C-1w-1) j]} = R  + (Lw  C-1w-1) j.  

 

        Portanto, a impedância complexa Z  =  R  + (Lw     C-1w-1) j contém em sua parte real a resistência R do circuito e, em sua parte imaginária, a constante L de indutância da bobina, a constante C do capacitor e a freqüência w da f.e.m. fornecida ao circuito.

        A partir daí os engenheiros simplificaram bastante seu tratamento dos circuitos elétricos e tiveram sucesso em desenvolvimentos matemáticos ainda mais abrangentes e eficazes na análise de circuitos e de redes elétricas.

        A nós aqui interessa refletir sobre a intrigante capacidade dos vetores planos, ou números complexos, de descrever com clareza, simplicidade e eficiência o comportamento da Natureza, por exemplo, como vimos acima, no caso de circuitos elétricos simples ou de certos sistemas massa-mola. Portanto, voltamos à nossa observação de que um vetor pode representar um fenômeno da Natureza e as operações entre vetores continuam representando fenômenos da Natureza. Inclusive, como vimos acima, suas taxas de variação instantânea podem ainda representar fenômenos naturais. Assim, fasores podem representar uma tensão elétrica, uma carga elétrica, uma corrente elétrica ou uma impedância elétrica, e as operações algébricas entre eles continuam significando comportamentos da Natureza. É inevitável, então, continuar perguntando: que outras operações entre vetores representam fenômenos da Natureza? Que álgebras de vetores são capazes de desvendar o comportamento da Natureza? 

          Até onde pode o Homo sapiens sapiens ir nessa linha de investigação da Natureza?

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